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Há lucidez no Conde de Ferreira

  • João Croca
  • 15 de fev. de 2016
  • 2 min de leitura

A nova longa-metragem de Jorge Pelicano relata muito mais do que aquilo que se passa nos corredores de um hospital psiquiátrico. Para além de mostrar os devaneios de pacientes que sofrem de esquizofrenia, “Pára-me de repente o pensamento” expõe o duelo constante entre a loucura e a lucidez dos doentes, invocando versos do poeta Ângelo de Lima, outrora paciente do Hospital Conde de Ferreira. Na 2ª sessão do Cinescópio, Jorge Pelicano falou da importância dos efeitos sonoros e da montagem dos planos utilizados neste documentário, todos eles muito estudados e analisados ao mais ténue pormenor. Tendo em consideração as aprendizagens retiradas nesta masterclass orientada pelo cineasta, percebemos que as componentes estéticas do filme revelam um mundo repleto de significados. Esses mesmos significados são personificados por meros gestos que simbolizam o desespero dos pacientes, como fumar um cigarro até ao filtro, uma das regalias a que os pacientes têm direito mas que é doseada em porções pequenas, acompanhado pelo salpicar gentil da chuva no chão e nos agasalhos. A maior parte das atividades direcionadas aos pacientes está ligada às artes. Aliás, um dos fios condutores do filme é precisamente a preparação de uma peça de teatro dedicada à instituição hospitalar, que contextualiza a entrada de Miguel Borges, um ator que procura inspiração para interpretar o tão agonizado poeta Ângelo de Lima. Para alcançar essa meta, Miguel passa a residir no hospital, ouvindo os relatos dos seus “colegas” acerca dos pontos críticos da sua condição e dos seus anseios. Alguns desejam sair do hospício, serem felizes à sua maneira, sem limites no tabaco e no café. Outros admitem a sua necessidade em estarem “presos”, pois se assim não fosse há muito que deixariam de caminhar neste mundo. No seu testemunho, Joaquim aborda a sua infelicidade e de algumas pessoas que ali passaram, que recorreram ao suicídio para fugir ao seu próprio pensamento. Porém, ao conhecer Rosa, sua namorada, essa tristeza foi pontapeada e ambos partilharam sonhos, inclusive o de terem uma casa só para eles. O amor tem disto; move tudo e todos. A vivência no hospital psiquiátrico deu certamente muita bagagem a Miguel Borges; a sua performance é um fruto maduro que enfatiza as mágoas descrevidas por Ângelo de Lima, que se compara a um cavalo que cavalga desalmadamente até a um precipício. Esta busca de Miguel Borges retrata, de certa maneira, os processos de caraterização utilizados pelos atores para alcançar o núcleo de um determinado papel que tanto procuram personificar. Assim de repente, lembro-me do The Joker de Heath Ledger ou de Hannibal Lecter do galês Anthony Hopkins, que apesar de estarem associados a produções hollywoodescas são frutos de métodos árduos de amadurecimento teatral, que provocaram um certo desgaste mental nos dois atores. Engane-se o espetador que prevê um filme sobre gente maluca; existe lucidez no Conde de Ferreira, lucidez que é visível nos olhos destes doentes, que sabem que não podem parar por completo o seu pensamento mas que lutam arduamente para não se afogar nele, como o açúcar do cafezinho que é sugado pelas profundezas das chávenas do Bar do Torres.


 
 
 

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