“Nem Respires” – O Terror Que Se Ouve
- Tiago Almeida
- 14 de out. de 2016
- 3 min de leitura
Sonoplastia – atividade artística e técnica que usa recursos sonoros (música, ruídos, efeitos acústicos, etc.) em espetáculos teatrais, filmes, programas de rádio e de televisão, etc.
O som foi sempre uma parte integrante e extremamente importante do cinema em geral. Mesmo quando este era mudo, era repetidamente exibido enquanto acompanhado de uma orquestra ou banda, de forma a que a música se fundisse com as imagens em movimento, e criando assim o objeto audiovisual.
No género de terror, o som sempre foi uma das principais ferramentas para criar tensão e suspense. Se “caminharmos” pela história do género, um som característico estará diretamente associado aos seus melhores e mais conhecidos filmes, quer seja por falas memoráveis, músicas ou simplesmente sons e efeitos sonoros: de Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (1922) a Frankenstein (1931); de Psycho (1960) a Halloween (1978); de A Nightmare On Elm Street (1984) a Ju-On (2002) podemos facilmente escolher uma lista interminável de filmes de terror, em que um som nos marca quase tanto como a imagem ou a estória. O próximo desta lista? Don’t Breathe (Nem Respires), do realizador Fede Alvarez.

O realizador obteve críticas mistas na sua primeira longa-metragem, o remake do clássico Evil Dead, mas a sua segunda parece ter agradado quer os críticos, quer os cinéfilos, quer os simples apreciadores casuais de filmes de terror. Trabalhando uma vez mais com a atriz Jane Levy, como a sua protagonista, Alvarez leva-nos à vida de Rocky, representada pela atriz, e à forma como esta tenta conseguir, através de assaltos organizados com amigos seus, dinheiro suficiente para levar a sua irmã para longe da mãe e da instabilidade que o alcoolismo e a sua irresponsabilidade trazem às suas vidas.
No momento em que Rocky e os seus amigos começam a assaltar a casa de um velho veterano de guerra, que ficou cego em combate, a história ganha um novo ímpeto e desenvolvimento, mas principalmente, a sonoplastia torna-se na fonte de magia deste filme.

The Blind Man (Stephen Lang) – O Homem Cego –, dotado de uma audição superior devido à sua deficiência visual, dá uma nova dimensão ao filme: devido à necessidade de manter o silêncio dos assaltantes, todo o som é isolado e meticulosamente editado, de forma a ser elevado sobre todo o ambiente. Assim sendo, não é um som ou uma música que se destaca. Todo o filme se torna uma contínua melodia com altos/baixos, acelerações e desacelerações, tensão e calma. A história conta-se com poucas palavras, muitas expressões corporais, muito silêncio ensurdecedor e sons ambientais: passos, respirações, portas a ranger, soalho a ranger, alarmes… O som torna-se o narrador desta história, as personagens são as suas marionetas. É o som que dita, antecede e sucede cada acontecimento: um ranger de soalho inicia uma perseguição e o silêncio absoluto dá-lhe um fim.

Voltando ao Blind Man, este tem potencial para ser um novo ícone de terror: um antagonista que nos persegue mesmo sem nos ver, e que nos coloca no seu habitat (a escuridão), onde nos tornamos nada mais do que uma presa. Stephen Lang faz um papel muito perto do perfeito, mostrando a sua completa paranóia de um ex-militar incapacitado, que nos faz ponderar durante grande parte do filme de que lado devemos ficar, porque nenhuma das personagens é moralmente correta. Mas um ícone não pode ter apenas uma aparição e na versão em DVD uma cena final foi acrescentada para criar esse suspense.
(para os curiosos http://moviepilot.com/p/dont-breathe-2-extended-ending-sequel/4095934)
Não ignoremos as imagens, estas também são bem pensadas e cuidadas, usando ângulos, movimentos de câmara e enquadramentos para aumentar o suspense, colocando em campo e fora de campo elementos que contribuem para o ambiente de pânico e prisão. Um momento que é claramente destacável é o momento em que com os assaltantes e o Homem-cego na cave, as luzes são desligadas e vemos as personagens a cambalear no escuro, numa visão monocromática dos seus movimentos, que apesar de simples, encaixa perfeitamente no filme.

Resumindo, este filme é um dos mais interessantes e stressantes filmes de terror do Século XXI, com uma sonoplastia fantástica, um antagonista original e interessante, uma imagem meticulosa e uma estória que nos obriga a escolher até que ponto é que a moralidade importa numa situação de vida ou morte.
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